quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Entrevista:

«“Confundir tratamento com atendimento é mortal para uma empresa”

Autor de best-sellers e conferencista com extraordinária capacidade de cativar audiências, Carlos Alberto Júlio é professor na Universidade de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas. Especializou-se em marketing em Harvard e no IMD e dirige a HSM (empresa de conferências e formação para altos executivos). Foi administrador de empresas e defende o lema “pense grande, comece pequeno e cresça rápido”. Esteve em Portugal para lançar “A Magia dos Grandes Negociadores”.

Neste seu livro faz uma mistura de várias teorias – de Peter Senge a S. Convey, passando por Carl Jung. Não é mais do mesmo: mistura e volta a dar?

Depende do que chama mais do mesmo. Na verdade nos últimos 100 anos da gestão, as grandes ideias são cinco ou seis. Deixe-me explicar o que é esta série “Pique Profissional”. A 28 de Agosto faço 27 anos de sala de aula e tenho sete à frente da HSM, que é uma empresa focada em gestão executiva de alto nível. Temos eventos e seminários com Senge, Porter e outros, em 14 cidades de nove países, incluindo Lisboa. Aqui, haverá dois grandes eventos no final do ano: o Fórum Mundial Estratégia e Marketing e o Fórum Mundial de Alta Performance. No dia-a-dia lido com o que de mais sofisticado há no mundo dos conceitos das ideias e dos gurus da gestão. Mas sempre me incomodou profundamente que, principalmente no mundo académico, os professores façam questão de serem áridos, de terem uma linguagem rebuscada, o que só dificulta a aprendizagem. Na essência, o educador é aquele que facilita a aprendizagem, até porque se sabe que ninguém ensina nada a ninguém. Só se aprende se você mostrar que aquilo é interessante, qual é o ponto de vista crítico, o que pode ser melhorado. Aí, um aluno devidamente “inspirado” busca o conhecimento e aprende. Por via de regra, os professores usam uma linguagem excessivamente académica que, no ensino de uma coisa tão prática como é a administração/gestão e o mundo dos negócios, leva-me a perguntar se colocamos no mercado um aluno preparado para fazer escolhas.

Não há receitas únicas e infalíveis?
Gestão é fazer escolhas: basicamente boa informação com bom senso! Havendo isso, o que acelera o processo de tomada de decisões são os conceitos e as teorias que se têm. Para qualquer caso da gestão não há uma só regra. É uma ciência social, humana, ligada a pessoas, a recursos finitos. Para determinada situação numa companhia, seja de recursos humanos, marketing, ou vendas, há éne soluções de sucesso e outras tantas de fracasso. A maioria dos professores são muito elitistas na linguagem e isso não significa que se deve deixar de ser profundo. No Brasil sendo mal remunerado, às vezes, o professor passa por erudito, é uma forma de exercer o seu poder. Isso incomoda-me. Ora, alegra-me que há 27 anos eu seja patrono e padrinho de todas as minhas turmas universitárias. Os alunos não escolhem o melhor professor, mas o mais próximo. Essa proximidade vem deles reconhecerem o meu esforço de simplificar a aprendizagem. Coloquei-me o desafio de escrever esta série. A primeira frase de qualquer livro desta série é “simples e profundo”: usar linguagem simples e conceitos complexos. O estereótipo é escrever sobre negócios para aquela dona-de-casa que passou quinze anos a cuidar dos filhos e depois volta a trabalhar. E resolvi criar sete temas: negociação, estratégia, gestão, venda, liderança, equipas de alta performance, comércio internacional… e tenho outros. Usei a técnica muito usada na área de negócios que é colocar tudo em regras, e em cada regra fui “mastigando”: porque é que eu havia de inventar a roda?!

Faz um digest de teorias?
Exactamente. Há por exemplo, as dez regras para ser um bom negociador e as três de diamante. Percebi que havia três que me impactavam no dia-a-dia muito mais que o resultado de todas as outras dez. A 1.ª regra: credibilidade é poder – quando se começa a negociar toda a negociação é simétrica; mas não termina simétrica; e o que retira a simetria é quem tem poder. Explico que a credibilidade gera-se nos detalhes, e destrói-se nos detalhes. Não são as grandes coisas que geram a credibilidade! Grandes problemas têm tendência para aglutinar; o que destrói uma relação são os pequenos problemas. A 2.ª regra: quem domina uma negociação é quem pergunta e não quem responde – para um jornalista é óbvio, mas para homens e mulheres de negócios é excepção, não sabem perguntar. Ora como satisfaço alguém se não sei o que quer ou precisa?! A 3.ª – que é toda a fundamentação filosófica do livro – é que o lucro está no freguês, não está no cliente. Comprovadamente o que dá dinheiro é o número de assinantes de um jornal, não os que compram esporadicamente. Só que as empresas trabalham mais para conquistar novos clientes do que para manter os que já têm. Esta 3.ª regra é “carinho antes é interesse, carinho depois é amor”. É legítimo ter um relacionamento (com cliente) só por interesse, mas não garante o longo prazo, que só é assegurado por querer ter mais e mais negócio, comprar ou vender um serviço. Essas relações devem ser também as mais lucrativas.

Este livro está vocacionado para vendas, algo crucial em tempos de crise… Há maneira de contornar o problema?
Vendas é o que faz a empresa girar. Mas não é o departamento mais importante, porque sabemos que as empresas são organismos vivos e todos os órgãos têm de funcionar bem: adianta vender e não cobrar? Ou vender e não entregar?

Significa que o inimigo número um do vendedor é ele próprio?
Sim. A melhor parte das vendas para quem gosta de vendas, é o fecho. Depois do pedido, fechar contrato é o golo. Chamar outra pessoa para fazer isso, não faz sentido… Mas numa imobiliária que existe há uns 50 anos no Brasil, há mil mediadores e 50 fechadores. Perguntei para o dono porquê? Explicou-me que consegue contratar mil vendedores razoáveis, mas não consegue ter mais de 50 bons fechadores. E isso resulta. Dentro do preço médio por metro quadrado, ninguém vende de graça e ninguém compra caro de mais. É pelo pormenor que se decide a compra.

Como pode o vendedor perceber isso?
A maior missão do vendedor é desenvolver relacionamentos, via vendas. O cliente respeita-o quando o vendedor conhece o que vende, os seus produtos, o mercado, quando o vendedor é também assessor – é um profissional preparado; e quando um vendedor sente elogio e efectividade no seu trabalho, deixa de ter vergonha de ser vendedor!

Tem de haver um trabalho preliminar de conhecer o cliente?
Também. O que fiz foi muito simples, mas um “achado”. Jung definiu o que chamava de personalidade inferior ou sombra. Em determinados ambientes todos nós temos um perfil de comportamento predominante. Jung baseou isso em Aristóteles. Mais recentemente, uma dupla norte-americana de investigadores lançou o
Myers Briggs Type Indicator® [questionário sobre modelo de personalidade]. Eu mesmo usei-o como guia de carreira. Tem 90 questões. É fascinante e pensei que se aquilo funcionou para mim, funciona também para o cliente – e serviria para descobrir qual é o perfil dele. Imagine que um cliente é um “analítico”. Como se lhe agrada? Dando-lhe informação, não pressionando no tempo, não dando as respostas mas deixando-o encontrar as respostas… Então criei quadrantes e tornou-se muito fácil passar isso para as pessoas. O livro também serve no dia-a-dia.

Mas como se vende quando a situação económica não ajuda?
Quem disse que não há dinheiro?! As vendas estão fracas, mas a primeira coisa que tem de se perguntar não é se a equipa de vendas é boa ou é má, mas se o produto é bom, o preço também, se tem uma boa imagem de marca, reputação? O produto é aquele que o dono ou o presidente da empresa acha que deve ser? Ou é o que o mercado deseja? Tenho um bom sistema de distribuição? Tenho um bom sistema de entrega? De atendimento?

Fala do serviço ao cliente?
Em Portugal confundem muito tratamento com atendimento, e isso é mortal para uma empresa. O bom tratamento é importante porque as pessoas lembram-se sempre do jeito que foram tratadas. Tem gente que acha que o problema. O atendimento é solucionar o problema da pessoa. Mas o tratamento completa isso. Ser gentil mas servir um produto sem as condições irrita o cliente; não basta ser gentil é preciso resolver o problema. Com a envolvente toda a funcionar vamos ter o cliente mais satisfeito. Mas, no caso de um jornal, por exemplo, se não funcionar no horário… não há jeito! Não sei se existe em português mas uso a palavra “solucionamento”: significa que aquilo que as pessoas querem hoje é resolução; solucionamento é uma mistura entre atendimento mais tratamento. Se te trato bem e com carinho, tenho interesse no seu dinheiro, mas quero que você continue sendo cliente.

Como pode um colaborador vender-se?
Existe um preconceito com o marketing pessoal. O que é? É você dar forma ao seu conteúdo, é uma disputa pelos melhores cargos, pelas melhores empresas. Costumo mostrar um slide que tem as palavras “empresabilidade”. Essa a regra do jogo, quer se goste ou não.

O que é “empresabilidade” e “empregabilidade”?
O que acontece quando as empresas que são paternalistas e conservadoras? Se tenho duas funcionárias com o mesmo cargo, mas gosto mais de uma do que de outra, aumento aquela de que mais gosto: tenho preferência, não meritocracia, o que importa é o quanto uma funcionária colabora para o todo. A meritocracia pode ser medida. Na “empresabilidade” as melhores empresas globais vão trabalhar com os melhores profissionais, vão remunerar melhor, vão reconhecer mais a meritocracia. Ou seja, as melhores empresas trabalham com os melhores. E o que é a “empregabilidade”? É o conseguir estar numa empresa destas.

E como isso se relaciona com o “marketing pessoal”?
Há três elementos importantes: a comunicação pessoal (o que infelizmente a maioria dos profissionais relega, enquanto os norte-americanos, desde a pré-escola, trabalham muito a comunicação). Se você tem uma ideia e não a consegue vender, então você não tem ideia nenhuma! A teoria do conhecimento diz que saber sem fazer, é a mesma coisa que não fazer – o saber tem de gerar valor. Depois, a aparência: há gente que resiste a isso em demasia! A primeira impressão que fica e, por vezes, depende-se da primeira impressão para ser contratado. Não há espaço, pelo menos no Brasil, para um vendedor que está com a camisa aberta até ao terceiro botão, com cordões de ouro, anéis, etc.. No caso das mulheres, devem ter em conta que empresa não é lugar de decote ousado e saia curta e justa; cuidado com os excessos! Finalmente, crie um estilo – é importante porque os profissionais também estão comodotizados. Por isso se todo o mundo está de gravata vermelha e camisa branca e falam de determinada maneira você deve buscar um estilo. Deus já nos fez diferentes! Quais são os seus talentos dominantes? As suas competências? Coloque-os na montra! O marketing pessoal é explorar os pontos-fortes, resolver os pontos-fracos. Não digo que a forma vale mais do que o conteúdo. Conheço gente muito boa naquilo que faz, mas que demora a “aparecer”!

Muitas vezes a forma vale mais que o conteúdo, sendo que a forma pode ser justamente a maneira de vestir. Já a franqueza, a frontalidade, a coerência, ou a crítica, em muitas empresas, só “atrapalham” profissionalmente…
… Só que essas empresas estão quebrando. Esse modelo não está a dar certo.

Isso é a prazo. E “no longo prazo estaremos todos mortos”…
Se eu não acreditar que temos de trabalhar no modelo da meritocracia não dirijo empresa! Como posso estimular alguém a ser melhor, por exemplo, um investigador, se ele sabe que não adianta? Só quando ele vê o resultado da sua pesquisa, quando vê o produto. E, a mesma coisa nas organizações. Por exemplo, o meu filho de 23 anos diz: “Quero trabalhar numa empresa que me deixe propor, errar e fazer”. O que acontece no modelo conservador de empresa? Você é pago para fazer, não para pensar: logo, a empresa vai morrer, vai fechar! Os líderes de antigamente contratavam iguais a si próprios, porque era mais fácil dirigir iguais. Só que sabe-se que uma empresa assim formada não tem sinergia: o igual soma igual. A sinergia vem da diversidade que, uma vez na empresa, dá pluralidade criativa. Mas para isso a liderança tem de entender que pluralidade advém do que critica, discorda, acrescenta. O medíocre é o que busca a média. No final, vão estar todos “mortos”; só alguns espertos sobrevivem.»


Luísa Rego e Graça Teófilo, Semanário Económico, 22 de Junho de 2007

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